1.095 dias

Hoje, terça, eu estava em um seminário e, conversando com uma menina que tem um projeto de renome no Rio de Janeiro, ela me falava sobre compatibilizar agenda com possíveis pretendentes. Ela dizia que tinha muitos compromissos e que, por isso, não tinha tempo a perder.

Eu então disse a ela que ela tinha que tomar a mesma decisão que eu... Falei algo assim: "agora que eu separei decidi que só quero alguém que seja da mesma dinâmica, ou seja, do mundo acadêmico", algo assim. Então ela me perguntou se eu era casada. Respondi que não, que tinha saído de um namoro de 3 anos, mas que agora me sentia livre. Ela disse: 3 anos? Quase como um casamento mesmo. E a conversa seguiu...

No sábado, eu havia sentido uma dor horrível na lombar, a ponto de quase não conseguir me movimentar e de ter que ir ao hospital no domingo praticamente me dopar com remédios pra conseguir me mexer. Era o resultado de alguns dias sentada fazendo pesquisa quantitativa e de alguns últimos meses em que não saí de casa com medo de andar na rua e de te encontrar.

Paro para contar agora e no dia 1 de dezembro farão três meses que eu te disse adeus; que fechei a porta da minha casa e da minha vida pra você. Me surpreendi agora ao fazer essa conta; achava que já eram quatro meses, mas não... três... Três meses depois de três anos. É o mesmo número, mas com significados tão diferentes.

Nesses três anos não sabia meu nome, meu endereço, meu paradeiro, meus gostos, meu nada. Vivi uma loucura acompanhada e dirigida por você. Sorri muito e chorei mais. Vivi 1.095 dias de dúvida. 1.095 dias de dúvida sobre mim. Uma dúvida regada e adubada por você. Quando estava tudo escancarado eu era duvidada e a dúvida me endividava comigo mesma. A soma das angústias se multiplicavam, mas o medo de ficar sozinha não diminuía. Quem seria eu nessa conta de subtração? Eu, que antigamente me via como ser humano que só tinha a somar, me via então tão diminuída. Me sentia tão zero à esquerda.

Foi então que há três meses eu mandei você ir embora e te deletei da minha vida online. Fim.

Fim? Não foi o fim; as reverberações estão todas aqui. Fazem três meses que não ando na rua da minha cidade com paz no coração; que eu tenho medo de encontrar alguém que veja que eu engordei; que eu tenho medo de te encontrar. Fazem três meses que eu vou te esquecendo lentamente, mas que por vezes você ressurge nos meus sonhos e me atormenta à noite. Fazem três meses que eu achei que estava boa da depressão, parei de tomar o remédio e fui para abaixo do fundo do poço novamente. Fazem três meses que uma camada imensa de gordura cobriu o meu corpo e me faz me desconhecer diante do espelho.

Fazem três meses que eu te mandei ir embora, mas não acabou; ainda não acabou porque as sequelas, muitas delas, ainda estão aqui. O aperto no coração que sinto ao ver a história de uma mulher agredida ou morta pelo companheiro; a vontade de não estar com as pessoas, pra não ter que prestar contas de tudo o que você me fez e que eu permiti nesse relacionamento. São tantas as coisas que ainda estão aqui...

Você não está, mas uma parte de você certamente ficou. Sempre fica, não é, é como dizem... Mas está vivo, latente, em carne demais ainda. Não é por outra razão que enquanto escrevo este texto tem um saco de gelo na minha lombar; a mesma lombar que foi maculada por eu não querer ir na rua com medo de esbarrar com você. São medos, inseguranças que ainda estão aqui. Elas certamente vão embora, mas estou vivendo-as, afastando-as calmamente e entendendo quem é de verdade a Raquel, sem todas essas camadas de resquícios alheios.

É um trabalho diário e paciente. Na maior parte do tempo não me lembro de você. Estou tão focada em mim que simplesmente não me lembro; só na hora de contabilizar as coisas que tenho que superar, aí você me acerta em cheio a mente. Mas é por hora, só por agora. Foram três anos, 1.095 e eles não vão embora assim, de um dia para o outro.

Bookmark the permalink. RSS feed for this post.

Search

Swedish Greys - a WordPress theme from Nordic Themepark. Converted by LiteThemes.com.