Sextas-feiras

Sempre amei sextas-feiras. Dizem que por ser taurina tem algo relacionado ao meu signo, mas seja lá qual for a razão sempre tive uma relação especial com o dia. Não só porque é o início do fim de semana, mas talvez porque minha memória afetiva construiu sextas solitárias fazendo o que EU mais amava.

Quando era menor, as sextas eram dedicadas a ir com meu pai buscar minha mãe no trabalho, passarmos no mercado, irmos a uma locadora. Isso nem pode ser considerado um programa, mas era um itinerário que eu adorava. Ou mesmo a assistir chiquititas ou a um filme sozinha. Lembro de ser um dia dedicado a coisas que eu realmente gostava de fazer - principalmente sozinha.

Lembro que na época da faculdade, quando meus pais estavam mais folgados financeiramente - afinal eu estudava em uma Universidade Pública, eu ia para uma rua aqui da minha cidade, a melhor de lojas, e passava a tarde experimentando roupas. Na verdade, eu estava experimentando sonhos. A cada roupa eu me imaginava em uma situação, a cada acessório que eu pensava em adquirir havia pro trás a vontade de ser melhor: uma mulher mais forte, mais bem decidida, mais dona de si e mais atraente também. Passei meses e até anos tendo esse ritual semanal de passear pelas lojas e fazer comprinhas às sextas sozinha. E eu adorava... Tempos das vacas gordas, naturalmente.

Saí da faculdade, engatei um namoro e minhas sextas-feiras passaram a ser em um ônibus, cheia de bolsas, indo para a Barra da Tijuca, onde meu namorado morava. Por um tempo foi legal, mas depois passou a virar ressentimento o fato de eu ter sempre que ir, que nem uma muambeira, para a casa dele, conviver com os pais dele, os amigos dele, o quarto dele, tudo dele. Ele terminou comigo e meu mundo acabou durante uns cinco meses, até que conheci meu ex namorado.

Entre uma coisa e outra as sextas viraram lamúria. Ficava triste, reservada, amuada. Passei todos os cinco meses chorando. Quando eu comecei a me reerguer conheci meu ex. Logo as sextas passaram a ser um misto de ansiedade e agitação para estarmos juntos, para saber se estaríamos juntos, para nos encontrarmos.

Nossa relação foi ficando mais séria e minhas sextas-feiras passaram a ser nossos encontros. Na verdade, no início, nós estávamos juntos o tempo todo. No nosso segundo ano de namoro, porém, minhas sextas desmoronaram. Ele passou a inventar toda uma sorte de motivos para não estar comigo e sair com os amigos escondido - coisa que agora eu sei mas que passei na penumbra por muito tempo. Passei uns seis meses vivendo sextas horrorosas, porque se uma coisa que era certa era que eu nunca sabia de onde viria o tiro. Como ele apelava dizendo que tinha que ficar com a mãe, porque estava doente etc, eu tentava me adequar naquela caixa difícil de caber. Seis meses depois, esse tipo de sexta chegou ao fim: li conversas dele com os amigos dele no celular e terminei.

As duas sextas de término foram horrorosas. Lembro de ter encontrado uma amiga, me distraído, mas eu estava em pedaços. Não demorou muito para os anseios dele de voltar me convencerem. Voltamos. E na volta eu fui categórica: estou reatando o namoro, mas não vou passar pelo que eu passei com você nos últimos meses. Se for pra ser assim, tchau. Não foi. Ele entendeu bem que final de semana era sagrado, que nas sextas o nosso encontro era quase uma cerimônia de estabilidade do namoro, e poucas vezes brincou mais com a data.

Entretanto, ele levou meu aviso quase ao pé da letra e nos últimos tempos respeitou a sexta e o sábado à noite, mas resolveu farrear durante a semana. Minha intuição me dizia que tinha algo errado, mas resolvi esperar... a sexta. Chegou o aniversário dele na sexta e comemoramos. Na madrugada olhei o celular dele, conversas tortas com os amigos e adeus.

Hoje é a terceira sexta depois que terminei o namoro. Estou bem. Na primeira sexta era pós feriado e passei com minha mãe, vi filmes etc; na segunda sexta eu fui para um curso no Rio, voltei super cansada e até dormi cedo; e hoje estou aqui refletindo sobre sextas... São quatro horas da tarde, ainda é cedo. Eu nem deveria estar escrevendo isso agora. Na verdade eu vim escrever porque estou preocupada com minha saúde física que ficou tão abalada nos últimos meses por causa desse relacionamento tão absurdamente tóxico. Estou preocupada e vim escrever um pouco para aplacar minha ansiedade de continuar comendo vorazmente como tenho feito desde que ele me espancou há seis meses atrás. Não estou me escondendo atrás disso, mas certamente estou tendo que enfrentar de frente as consequências. Estou ponderando a terapia, a academia, o livro que vou ler, os métodos que vou utilizar para me curar. Penso em mim... quanto? O tempo todo.

Esta sexta eu sei que vou passar assim, na paz de estar livre e na ansiedade de ter que lidar com as sequelas que ainda estão presentes. Diante de tantas coisas importantes com as quais lidar, uma ao menos está resolvida: estou em paz! A paz de me habitar, de me bastar e de me ter. Me tenho quando me respeito, me tenho quando me converso sobre limites, me tenho quando me reflito por inteira. Me tenho aqui e agora para me ter cada dia mais. 

É assim que caminha esta sexta, no meu novo passo. Não sou astróloga, então não posso referendar, mas posso dizer, empiricamente que, pra esta taurina aqui, é inegável que as sextas representam grandemente o estado astral do meu ser e hoje, graças, sou paz - e provavelmente um livro e um chocolate.

Bookmark the permalink. RSS feed for this post.

Search

Swedish Greys - a WordPress theme from Nordic Themepark. Converted by LiteThemes.com.