O mundo

Fim do domingo me lembrei de você. Não porque fizéssemos algo muito incrível no final dos domingos ou porque estivesse com vontade de estar com você, só me bateu, de repente, uma saudade de nós. De quando eu deitava nos seus braços e você reclamava brincando, falando que eu queria ficar "dentro de você". Você tinha muita dificuldade de aceitar afeto sem fazer qualquer palhaçada para desviar a atenção. Lembrei disso e bateu aquela saudade de nós.

Caíram algumas lágrimas, me penitenciei por elas, até que olhei pro meu sabonete facial no banheiro, no qual estava escrito "cleanance" e na mesma hora entendi: calma, isso faz parte da limpeza. As lágrimas fazem parte desse processo e você não tem que se envergonhar por elas virem de vez em quando. Me acalmei. Ao total foram umas talvez sete lágrimas. Foram poucas, mas meu racional logo se preocupou. Me tranquilizei com a mensagem no banheiro e me pus a pensar... e me lembrei.

Me lembrei do final de semana anterior ao término, quando estávamos na casa da avó do seu amigo, você foi pegar minha mochila no meu carro, porque algo estava incomodando meu olho e meu produto das lentes estava na minha mochila lá fora. Voltou com a mochila e uma notícia para os amigos: vão lá porque há duas meninas negras, como vocês gostam.

Aquela interrogação na minha mente, mas decidi não dar muita atenção àquilo. Os dois saíram à caça das meninas, meu ex ficou conversando com a avó do amigo dele e eu fui ao banheiro mexer nas minhas lentes. Voltei para a sala e um pouco depois os dois meninos voltaram dizendo que tinham pegado o instagram das meninas. Muito burburinho em torno do assunto e indaguei: que história é essa de você ir lá fora e voltar falando de mulher? (na mesma hora pensei o caos social que seria se tivesse sido eu.) Começou o "deixa disso" por parte do meu ex, o "nada a ver" e a avó do amigo dele me olhava... ela já sabia do que acontecia, hoje percebo.

Um tempo depois meu ex me pediu para irmos embora. Deixei-o em casa, fui para a minha. Um tempo depois ele me ligou dizendo que a luz tinha faltado lá, perguntando se tinha também na minha casa. Um pequeno papo, desligamos.

Nada demais se naquela madrugada em que eu terminei eu não tivesse lido que por volta daquela hora em que você me ligou você tinha mandado uma mensagem para o seu amigo falando: "rápido, pergunta se as mulheres querem sair". Depois ainda ligou para ele - se eu te conheço bem, para saber se ia ter a saída, o que constatei ao olhar as chamadas no telefone.

Ao lembrar dessa cena imediatamente minha pequena saudade se esvaiu. Saudade do quê? Na minha cara, pegando a minha mochila, no meu carro, ele conseguiu articular uma traição. No meio de uma circunstância completamente mundana ele profanava.

Nesse momento entendi que era hora de colocar no lugar o globo terrestre que eu tinha comprado e guardado para dar de aniversário para ele. Aqui cabe um parênteses: antes de terminar, nas semanas, talvez meses anteriores, eu estava me sentindo muito encurralada, muito insatisfeita e infeliz porque estava entrando em um processo de conscientização de que eu nunca seria realmente feliz, em paz naquela relacionamento. Me debatia comigo mesma e com meus guias à noite. Eu tinha um deadline, pois tinha colocado em minha cabeça, depois de uma consulta astrológica, que se meu ex não se emendasse eu terminaria com ele no fim do ano.

Em uma daquelas tantas noites chorando sabendo o que eu tinha que fazer, mas sem saber como, onde arranjaria forças dentro de mim para isso, eu pensei no globo terrestre que eu tinha comprado pra ele e estava guardado. O aniversário dele seria no dia 31 de agosto e eu pensei que seria muita vitória se eu conseguisse terminar antes e colocar o globo na minha estante, como símbolo do meu triunfo, como a materialização de que, mesmo após três anos de sofrimento, eu consegui dar fim ao relacionamento.

Pois bem, depois da pequena saudade e da enorme lembrança que se abateu sobre mim nesse domingo, soube que era a hora de colocar o globo terrestre onde ele sempre pertenceu: na minha estante! Estava adiando esse momento porque como tinha dado a ele o presente na noite do dia 31 e terminei com ele na manhã no dia 1o, achei que seria doloroso demais ficar olhando para o presente que eu comprei para ele, que eu dei para ele, mas que neguei a ele ao mandá-lo embora (sim, ele teve a cara de pau de reivindicar o presente depois de eu ter visto vários absurdos no celular dele, como uma foto do pau dele - que ele não tinha mandado pra mim, e uma conversa sobre ele e os amigos terem ido para a Vila Mimosa - para quem não conhece, é o lugar em que se, digamos, contrata uma prostitua por qualquer vinte reais). Achei que seria difícil ficar lembrando de como ele acordou assustado ao eu abrir a cortina e mandá-lo embora naquela manhã.

Realmente, seria difícil... se não fosse mais difícil ainda me lembrar quantas mentiras, quantas traições, quantas humilhações, quantas agressões, quanta violência, quantos absurdos eu sofri durante os últimos três anos. Ficar com o globo não foi nada...

Coloquei o globo terrestre na minha estante e ficou perfeito. Parece que estava faltando exatamente ele no local onde está. O globo está no lugar certo porque eu mereci o mundo; eu mereço em todas as belas acepções que a palavra "mundo" pode ter. Eu conquistei esse direito. Agora, o mundo é meu. 

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