Retórica ilógica

Não sei se é o momento de diminuir a velocidade ou acelerar. Desde de que terminei o relacionamento destrutivo no qual eu estava, eu imergi em duas buscas: no entendimento do narcisismo e na luta contra Bolsonaro - seriam duas formas diferentes da mesma coisa? Enfim, o ato foi esse final de semana e agora me encontrei no primeiro dia de outubro, em uma segunda feira, cheia de expectativas para fazer um mês perfeito de dieta e exercícios físicos mas um acordar totalmente sem energia.

Acordei hoje com aquele sentimento característico da depressão: a vontade de não levantar da cama. Por mim teria passado o dia hoje na cama comendo e assistindo a uma série. Não o fiz porque sei que é um ciclo que se alimenta e também porque minha mãe estava trabalhando de casa, então ia "pegar mal". Acabei enrolando durante todo o dia, sem fazer nada de útil e sem fazer quase nada da minha lista de tarefas para o dia de hoje.

Hoje é um daqueles dias em que eu me deparo comigo mesma, com o fato de que meu problema não era apenas o meu ex relacionamento destrutivo, mas também - e talvez seja o por que - a depressão pela qual estou passando. Nos últimos meses eu vivi quase como se ela não existisse. Estava tão focada nos meus projetos profissionais que era quase como se eu tomasse o antidepressivo tão somente para cumprir um compromisso médico, porque parecia que a depressão fosse algo já resolvido.

Mas hoje ela deu as caras. Eu sei senti-la, porque ela suga minhas energias. Não sei se foi a pressão que coloquei em mim para fazer desse um mês incrível, cheio de metas batidas todos os dias etc. Na verdade eu sei que foi isso, mas fica aquela pergunta: por que planejar e cumprir virou um problema?

Tenho um texto longo para traduzir, pelo qual serei remunerada; tenho planos estratégicos de advocacia para colocar em prática, tenho um corpo para restaurar, uma alimentação para cuidar, um carro para revisar, supermercado para fazer, psiquiatra para ir, mas a vontade de ficar deitada na cama superou tudo hoje. Na verdade, para ser sincera, a única coisa que venceu foi a vontade de deixar meu quarto arrumado para não me sentir tão inútil e para ver se a motivação vinha, mas não veio. Ah, eu tomei banho para deixar meu cabelo desembaraçado caso me viesse um ímpeto de comparecer à academia, mas não fui.

Hoje foi um daqueles dias que eu perdi. Um daqueles dias em que você tem que olhar no espelho e entender que está sim passando por um problema, senão fica angustiante demais, mais. Hoje pode ser um dia ruim para uma pessoa "normal", mas pode ser o início da reativação de um ciclo destrutivo ao qual eu não posso ceder.

Penso em ir na rua, sei que tenho que ir para quebrar o ciclo, mas não vou. Fico em casa, troco de roupa, tenho vergonha de sair. Tenho vergonha de as pessoas me verem e assistirem meu caminhar com doze quilos a mais. Isso me afasta da academia e já sabemos como a bola de neve aumenta. Penso em ficar em casa e receber o pedreiro que tem que quebrar a parede e resolver um encanamento, mas adio. Veja bem, estou plenamente apta a recebê-lo, iniciar o processo, mas não quero. Antes tenho que falar com a secretária do prédio, mas não quero ter que encarar a celeuma administrativa que é lidar com as pessoas que habitam meu CEP. Essas coisas comezinhas hoje são grandes demais.

Não falo. O mundo continua a girar como se nada estivesse acontecendo. Converso sobre política com minha mãe, com minhas amigas no what'sapp e o mundo continua a girar - aliás, política é o que tem realmente me movido nos últimos meses, e me consumido também.

Hoje vi um meme que falava assim: "engraçado crescer, você percebe que metade dos seus amigos está tomando remédio por razões psicológicas e a outra metade precisa tomar", algo assim. Começo então a me lembrar de uma amiga minha próxima que tem problema com ansiedade. Desde que eu comecei a tomar antidepressivo, há um ano e meio, ela estava tomando ansiolítico, mas por um brevíssimo tempo e aí parou, voltou, parou, voltou. Mas o interessante de observar não é isso, mas sim como ela conduz esse discurso. Todos sabem. As crises, as histórias, os impedimentos, as faltas, as angústias etc são repertório público. Ela é de um estado do Nordeste, está aqui estudando no Rio custeada pela mãe - que perdeu um dos empregos, tem o apoio de um namorado super fofo que vai morar com ela em breve, tem amigas, enfim, tem toda uma rede de apoio que permite que ela more em outro estado mesmo sem trabalhar e ainda assim as fragilidades dela são um tópico constante. A nossa orientadora sente pena, fala que em breve vão conversar sobre possibilidades profissionais.

Aí eu paro para pensar. Pode chamar de recalque, mas vamos analisar. Eu moro na casa dos meus pais; se eu falasse que ia morar em outro estado com eles me custeando eles iriam rir da minha cara; até um mês atrás namorava um cara que me traía e me batia, que nunca me ajudou sequer para uma conversa em relação à depressão e praticamente ninguém sabia de nada disso. E ninguém continua sabendo de nada disso. Quando uma das amigas me pergunta alguma coisa, eu respondo pontualmente sobre o assunto, elas ficam assustadas, se compadecem, mas eu logo mudo o tópico. Do que adianta a sessão de debate amoroso? Quando eu mais precisei eu não pude falar porque seria julgada e agora que eu consegui me tirar daquela situação eu sei que se falasse tudo o que eu aceitei eu seria de alguma forma julgada também. Então para quê falar? Odeio vitimismos, mas também odeio quem acaba se beneficiando por falar e dramatizar publicamente todas as suas dores. Talvez esteja aí o meu recalque: eu não consigo falar.

Escrever para mim é mais fácil. É natural, fluido e também resguardado. Meus textos ficam em um blog que praticamente não tem acesso e meus pensamentos mais profundos estão sendo reorganizados na minha mente enquanto minha alma tenta se fortalecer depois de tantos anos de silenciamento. Então escrever tem sido esse reencontro e refúgio.

Em geral, ao final dos meus textos me vem um insight sobre o momento. Dessa vez não veio. Vim falar sobre depressão e a narrativa não encontrou um desfecho com significado. Não me lembro a última vez que escrevi um texto tão desconexo e sem uma continuidade de meio e fim. Talvez seja porque a depressão não faça sentido para mim ainda. Não a compreendo; não está madura; não tem racionalidade. E será que algum dia terá? Não sei, só sei que esse texto acabou por ser igual ao que ela representa para mim: uma completa falta de entendimento.

Bookmark the permalink. RSS feed for this post.

Search

Swedish Greys - a WordPress theme from Nordic Themepark. Converted by LiteThemes.com.