Tormenta

A urgência em amar.
Minha vida mudou quando te vi a primeira vez.
Botas, jaqueta amarrada na cintura, um andar descolado, um papo inesgotável e um beijo perfeito. Foi um dos melhores beijos que você já me deu.

Paixão.
Felicidade.
Vibração.
Sexo.
Espera.
Paciência.
Ego.
Impaciência.
Namoro.

Hoje eu me lembro dos primeiros dias e sei que eu não tinha ideia de quem era você. Eu me apaixonei por uma sedutora criação perfeitamente construída.

Logo percebi sua carência; sua necessidade. Me construí também. Forjei sua necessidade. Era um casamento perfeito entre quem precisava e quem precisava ser precisada. Você e eu.

Celular escondido, mensagens de outras, propostas de sexo, briga, reconciliação instantânea, deturpação de valores. Hoje eu sei que eu deveria ter ido embora naquela noite em que vi suas mensagens para outras enquanto você dizia ser apaixonado por mim. Ali ocorreu a ruptura de mim por mim mesma: eu aceitei. Eu quis acreditar em uma verdade escancaradamente mentirosa. Eu escolhi. Era tão bom, tão inteiro para mim que eu esqueci de avaliar, racionalmente, o que tudo aquilo significava. A ponderação de valores essenciais é um erro.

Eu estava emocionalmente destruída. Perdi minha percepção de mim como mulher e como pessoa e te encontrei quando eu não sabia onde eu mesma estava. Melhor equação para o desastre. Acreditei na persona que hoje eu vejo as pessoas acreditarem e mergulhei em uma história com personagem principal sendo eu a codjuvante. Nada disso foi planejado. Depois de cerca de sete meses de clausura, achei que tinha tirado a sorte de encontrar minha alma gêmea no segundo beijo que dei depois do término com meu namorado anterior. Como eu poderia desistir do amor da minha vida por causa de algumas mensagens trocados com mulheres à toa? Certamente aquilo era o frisson do homem solteiro que estava com dificuldade de aceitar uma vida a dois. Paciência. Intimação. Namoro.

Nosso primeiro ano é uma incógnita pra mim. Passei boa parte do ano de 2016 achando que eu tinha encontrado a pessoa certa; que eu estava vivendo o amor da minha vida; que nós seríamos para sempre; que poderíamos vencer tudo e todos; só nós me bastava. Alguma insegurança pelo seu histórico, mas, tirando o fato de que eu não podia chegar perto do seu celular, tudo transcorria mais ou menos bem. Hoje eu não sei dizer o que aconteceu em 2016. Eu sei o que eu vivi, o que eu senti, o que eu desejei e fiz, mas não sei quanto a você. Não sei por onde você estava vivendo enquanto eu fazia planos para nós. Certamente eu estava bastante insegura, mas não tinha dúvidas sobre a gente. Os outros me pareciam uma ameaça, mas não o que tínhamos. Para mim éramos invencíveis.

Parece que eu te conheço há uns 10 anos de tantas temporadas que vivemos nesses dois anos e meio de relação. 2017 chegou com uma névoa. Casamento da amiga da minha mãe você não me acompanhou. Uma depressão convenientemente inventada. Finais de semana longe. Até aquele dia em que eu vi um vídeo seu na night enquanto eu passava o sábado à noite sozinha em casa porque você disse que estava depressivo demais para me ver. O cristal mais uma vez se quebrou. Na verdade, ali a rachadura realmente foi feita, porque antes podíamos nos defender dizendo que não éramos namorados, mas não naquele momento. Naquela ocasião éramos namorados, muito namorados, comprometidos com um projeto de sonho. Sensação de morte foi o que senti naquela noite. Meu mundo foi abalado em proporções sísmicas. Minha dor era tanta e minha desordem mental era tão grande que dias depois perdoei.

Meses estranho. Mais uma, mais outra mentira. Término. Perdão. Novo ciclo. A cada episódio dessa epopéia triste eu me estilhaçava internamente. Sinceramente, olhando para pouco tempo atrás, eu entendo porque há cinco meses atrás fui diagnosticada com depressão. A culpa não é sua, não é minha; é da nossa combinação. Dos seus desarranjos e da minha fraqueza em não impor limites, em não ir definitivamente embora.

Claro que eu estava com depressão. Não havia um final de semana sem choro. Não havia um dia de paz. Não havia nada e eu ainda ainda estava ali. O desespero progressivamente me consumia. Quando eu achava que era o fim, que eu não tinha mais forças para continuar, eu ressurgia como uma fênix pouco orgulhosa. Insisti. Até que li todas as conversas do seu celular.

Acabou.

Naquele momento eu já estava sendo medicada. No início. Mas quando você está abaixo do poço qualquer substância quimicamente mais preparada do que o seu cérebro solo faz efeito. Me desesperei de forma estática. Robotizada, sem conseguir expressar, mas apenas sentindo. A primeira semana foi como morrer em vida. Era assim que eu me sentia. Ia almoçar todos os dias em um restaurante perto da minha casa, ouvia áudios de um negócio novo no qual eu estava me aventurando, mas meu cérebro quimicamente me segurava diante do precipício. Não foi a traição. Não foram as traições. Foi a exposição, a indiferança, o escárnio. Tudo meticulosamente arquitetado para criar uma vida comigo e outra em paralelo. Rivotril de Calcutá.

Na segunda semana eu sucumbi. Aceitei conversar e no final de semana voltei. Para onde? Estava certa de que não para onde estávamos. Rígida. Austera. Firme. Voltei com o projeto de ser quem eu verdadeiramente sou e não aceitar nada menos que isso significa. Tudo aparentemente bem. As aparências são engraçadas porque significam uma tranquilidade que por óbvio não revela nosso íntimo, nossa verdade.

Um whatsapp web. Uma mensagem. Duas. Três. Respondi. Fui você. Dei um fim. Fui atrás de saber, me coloquei diante de mim mesma, busquei responder de forma firme, mas ainda fraca na escolha de permanecer. Mais uma? Mesmo depois de tudo isso? Depois de termos voltado? Agora era para ser para sempre. Era...

Discussões. Agressões. Digressões solitárias e ineficazes. Um profundo ressentimento, agora não comigo mais - porque sei que estou doente e, por isso, menos forte - mas com a articulação da nossa derrocada que você continuamente promoveu. Sem saber, acredito. Sei que, no fundo, você se vê comigo. Mas por quê, eu me pergunto. Não entendo essa vontade de permanecer que agride emocional, física e sentimentalmente. Não sou o exemplo de perfeição, mas tenho certeza que me esforço para dar o meu melhor. Por vezes erro, mas é como já ouvi: eu me esforço para dar certo. Adianta?

Pode ser que hoje você tenha se alinhado. Entendido o que eu significo na sua vida. Mas como fica isso tudo dentro de mim? Como eu faço um bem bolado dessa bagunça toda? Eu sei que sou forte. Eu sou. Mesmo tomando antidepressivo e ansiolítico - este não mais - eu hoje sei que eu sou tão forte que eu não sucumbi durante esse ano. Sem motivos para continuar eu permaneci. Não com você, mas comigo. Não desisti de mim embora tudo à minha volta me dissesse que minha vida era um disperdício sem reforma.

Agora que encontramos alguma calma eu me ressinto. Eu olho para a tranquilidade do mar e vejo os destroços, a sujeira que ficou e a insegurança de não saber se haverá outra tormenta. Não fica mais fácil; fica mais triste.

Eu só queria que fosse mais fácil. Eu preciso que seja.


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