Querido caso,

Você foi viajar mesmo sabendo que eu não poderia, mesmo sabendo que eu ficaria aqui jogada às traças dos livros empoeirados de novas jurisprudências e teorias.

Você quase que instantaneamente decidiu ir, e foi. Então, não me venha dizer de saudades, pois saudade é para quem não escolhe, para quem de outra forma teria feito diferente. A saudade é para os sujeitados, e não para os sujeitos.

Aproxima-se a data de sua volta, e me encontro na espreita de desvendar um modo bem sub-humano de te torturar. Não que sua ida tenha me maltratado de forma tão dolorosa, mas o fato de você ter subvertido a ordem das decisões me irritou. E só pelo fato de eu estar irritada, decidi que você tem que sofrer. Assim mesmo, de forma bem primitiva, sem muitas elaborações.

Nada me ocorre momentaneamente. Não falar muito com você? Você logo perceberia e abriria alguma discussão para verbalizar isso. Não quero discutir, porque brigar é você ter a dimensão da grandeza do meu incômodo. Não, não vou discutir com você. Também não vou deixar você perceber que não estou falando tanto com você por birrinha, pois o resultado seria o mesmo.

Já sei! Direi que estou muitíssissimo ocupada. Sabe como é, uma semana é o suficiente para que o sistema solar realinhe os astros e muito mude por aqui. Como meu pai diz: "uma mulher se reinventa a cada momento". Estarei ocupadíssima com tarefas domésticas inadiáveis. 

Na quarta, vou assistir audiência e resolver coisas, digamos, processuais. Nem me venha com questões de almoço, pois serão rechaçadas pelo meu senso de responsabilidade e urgência com minhas horas.

Na quinta, resolverei uma pendência de máxima importância: o supermercado do mês. Se dizem que saco vazio não para em pé, o que se dirá sobre uma dispensa, não é!? Tudo muito importante e exaustivo.

Na sexta, terei um almoço com um amigo antigo que você morre de ciúmes, depois terei minhas tarefas femininas inabaláveis e, à noite, se a órbita estiver favorecendo, sairei com amigas para bailar no aniversário de uma comadre de turma. Nossa, essa sexta está de arrasar no meu plano de fazer você se torturar. Ah, querido, não fique assim. Você que está se fazendo isso, afinal, eu não estou fazendo nada, mas apenas continuando a vida que sempre esteve aqui, você que se ausentou e perdeu o passo.

Ah.. e já que estamos falando de tortura, haverá requintes: tudo será falado com a voz mais mansa e dissimulada do mundo. Afinal, não quero que você saiba que tudo é um pouco propositalmente para te incomodar.

No sábado, passearei por aí e estarei muito cansada à noite para qualquer prosa mais alongada. E, no domingo, encontrarei com uma amiga e resolverei pendências para a semana seguinte.

Acho que é isso, por enquanto. Minha pequena vingança tem programação até domingo, então ficamos assim combinados. Afinal, meu querido caso, você viajou, mas o planeta não parou de rodar por aqui, muito pelo contrário, estamos girando de vento em popa.

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