Todo o necessário

Quarta feira, 16h30: estou passando mal, tem uma mesa em Niterói daqui a duas horas e quero te indicar, o que acha?

Não acredito. Estava no Rio, esperando uma amiga com quem marquei há uma semana para comemorarmos o aniversário dela. 

Por que avisou só agora? Que desrespeito. Não vou. Não posso passar a mensagem de que posso apagar incêndios a qualquer hora ao seu bel prazer. Nunca me chama e agora em cima da hora... o que vou falar? Como vou me preparar? Não vou.

Não vou poder, estou no Rio, se soubesse antes teria me organizado. Emoji com cara de choro.

Minha amiga chega, sentamos para tomar um café e conversar. Não se passa nem uma hora e ela diz que precisa ir embora. Vou ao ponto de ônibus com ela e ela me diz que posso ir, que seu ônibus vai demorar. Digo que estou com tempo e espero. O ônibus dela chega em dois minutos.

Vou para as barcas: 17h30. Mesmo não tendo desmarcado o compromisso com minha amiga, daria tempo de chegar ao evento. Sento, irritada e começo a pensar.

O que eu falaria assim, de sopetão, sem me preparar? O tema é o que eu respiro em termos de pesquisa..., recapitulo e tento? Que loucura... Mas por que loucura se é basicamente sobre isso que eu falo o tempo todo? Será que não consigo organizar alguns pensamentos na hora? Me bate uma sensação de "como não vou falar?", "como vou perder a oportunidade de falar?". Eu vou.

Mando mensagem e aviso que vou. Procuro no meu celular um artigo que tenho publicado, com uma parte dos resultados da minha pesquisa de mestrado. Pego o único papel que levei para a rua aquele dia, começo uma leitura transversal e anoto o que considero mais importante. Relembro: estou pronta.

Chego em Niterói, pego o endereço, entro no táxi e chego. Vou ao banheiro, faço um xixi, me arrumo suando, porém certa. Entro na sala, "você é a Sandra? Prazer, vim no lugar da fulana". "Caramba, como você é rápida, ela acabou de me avisar." "Pois é."

"Anota seu nome aqui e sua descrição. Você trouxe slides?" "Não, não tenho slides, estava no centro agora há pouco e não tenho nada remoto, mas não tem problema". "Tem certeza? Quer pedir a ela?" "Não, está tudo bem, eu falo sem slide mesmo". "Mas tem certeza? Se não quiser não precisa (falar)..." "Tenho certeza sim, estou bem".

Dou duas direções de fala pra ela e ela escolhe que eu fale sobre o Direito, que foi meu objeto de pesquisa. Tudo certo. Sento e sou a primeira a falar. Falo. Sem microfone. Falo, gesticulo, faço pausas, interajo e vou traçando aquela linha de raciocínio como se tivesse me preparado bastante para aquele momento.

Acho que me preparei, no fim das contas. Finalizo dizendo algo como "esse é o Direito, desculpa, obrigada." Aplausos. Sinto que passei o recado. Sinto que passei o incômodo. Sinto que passei a realidade.

Eis que ali, naqueles vinte e pouquinhos minutos, eu coloquei pra fora o que lá na barca eu tinha me questionado "como assim vou perder a oportunidade de falar?". Não perdi. Ganhei.

Ganhei alguma experiência e traquejo, mas mais do que tudo ganhei a minha confiança em mim mesma. Ali, de pronto, com um pouco de desencorajamento alheio, sem slide, com um pedaço de papel, era eu e eu mesma: e isso é tudo o que eu preciso para falar. Venci.

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